Fábio Dias
23/12/2024
Garça 

Saiba como empresas brasileiras podem se beneficiar do acordo Mercosul-UE

Para o CECIEx, quem se posicionar agora obterá vantagens competitivas, especialmente em setores como agronegócio sustentável, produtos alinhados a padrões ambientais, indústrias de alta tecnologia e logística inteligente

O acordo Mercosul-União Europeia (UE), finalmente assinado no dia 6 de dezembro após mais de 25 anos de negociações, pode gerar grandes oportunidades de negócios para exportadores e importadores brasileiros, dizem especialistas em comércio exterior.

Embora ainda dependa de aprovação de alguns países envolvidos, pois tem enfrentado rejeição de sete das 27 nações do bloco europeu, o acordo já é considerado um marco nas relações comerciais globais, criando uma das maiores áreas de livre comércio do mundo: juntos, Mercosul e UE reúnem cerca de 718 milhões de pessoas e economias que, somadas, alcançam mais de R$ 22 trilhões.

Segundo o CECIEx (Conselho Brasileiro das Empresas Comerciais Importadoras e Exportadoras), parceiro da SP Chamber of Commerce da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), essa área de livre comércio pode permitir que as economias envolvidas reduzam a dependência de mercados tradicionais, como China e Estados Unidos.

Nas palavras de Ruy Magalhães Neto, vice-presidente do CECiEx, o acordo deve gerar maior competitividade, abertura de novos mercados internacionais com menor custo de entrada e integração em cadeias produtivas globais mais verdes e inovadoras. 

Em sua avaliação, o impacto sobre o comércio exterior brasileiro não se limita à simples redução de tarifas; espera-se, por exemplo, uma possível modernização dos processos produtivos no Brasil, induzida pela concorrência europeia e pela necessidade de atender a padrões mais rigorosos de certificação, rotulagem e sustentabilidade.

"A inserção em cadeias globais de valor poderá ser mais intensa, impulsionando a diversificação de produtos exportados, reduzindo a vulnerabilidade do país a choques externos e ampliando o leque de parceiros comerciais, além de diminuir a dependência de mercados específicos", reforça.

Entre os pontos que podem ser vantajosos e alavancar as trocas comerciais, conforme destaca, está a eliminação tarifária: mais de 90% das tarifas de produtos entre blocos serão eliminadas, reduzindo custos e aumentando a competitividade. "Setores como agricultura, tecnologia e bens industriais terão maior acesso aos mercados internacionais", afirma. 

O fortalecimento do setor agrícola deve beneficiar pequenos produtores, já que exportadores do Mercosul, especialmente no Brasil, poderão aproveitar quotas ampliadas para produtos como carne, soja e frutas, que terão menos barreiras tarifárias.

A modernização da indústria também está prevista, já que as empresas brasileiras terão acesso a novas tecnologias e cadeias produtivas europeias, acelerando a inovação e a eficiência no mercado local.  

Outra vantagem são as parcerias estratégicas no setor de serviços, incluindo telecomunicações, finanças e transporte, setores que terão melhor acesso aos mercados europeus.
Além disso, o acordo traz à tona questões regulatórias complexas, como o reconhecimento mútuo de normas sanitárias e fitossanitárias, a proteção de indicações geográficas e a observância de padrões laborais e ambientais robustos. "A adoção de padrões europeus poderá impulsionar o cumprimento de normas internacionais, ampliando o valor agregado dos produtos brasileiros e diferenciando-os da concorrência global", destaca Magalhães Neto.

Há ainda os compromissos de sustentabilidade: metas como o fim do desmatamento até 2030 e adesão ao Acordo de Paris reforçam a necessidade de alinhar os negócios aos padrões globais de responsabilidade ambiental. "Isso será um diferencial competitivo, especialmente para acessar mercados exigentes como o europeu", sinaliza. 


Prontas para explorar novos mercados?

Nesse contexto, haverá desafios, principalmente para as pequenas empresas, como entender e se adaptar às normas regulatórias complexas da UE, bem como à alta exigência de qualidade, rastreabilidade e certificações.

Mas isso pode se converter em oportunidade de valor agregado, ao posicionar produtos e serviços em nichos de mercado mais lucrativos, explica o vice-presidente do CECIEx. 

Para isso, será preciso também investir em capacitação e treinamento, com o suporte especializado de organizações como o Sebrae, a Apex, confederações da indústria (CNI), do agronegócio (CNA) e do comércio (CNC). 

Quanto à análise de mercados, negociação e operacionalização dos processos de importação e exportação, com as comerciais importadores e o CECIEx, assim como a SP Chamber, da ACSP, que já têm contatos comerciais internacionais desenvolvidos e qualificados, e profissionais com know-how que prestam serviços de comércio exterior. Também há no mercado serviços de terceirização desse tipo de operação, caso seja necessário, lembra o vice-presidente do Conselho.

"A necessidade de profissionalização, digitalização e aprimoramento da logística serão aspectos-chave. A competitividade exigirá eficiência operacional e capacidade de agregar valor, fugindo da simples exportação de commodities." 

Para a Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), a previsão de que o acordo seja benéfico para os empreendedores brasileiros é "enorme". Segundo Alfredo Cotait Neto, presidente da CACB, a cadeia de produção de diferentes setores, com reduções em taxas e impostos, vão refletir no consumidor final, gerando atrativos para empreender ainda mais no comércio exterior e, consequentemente, estimulando renda e emprego no país. 

"A CACB segue atenta aos próximos passos, certa de que é preciso muito diálogo e diplomacia, ainda mais quando se trata de um acordo envolvendo tantas economias", diz Cotait. "Os empreendedores brasileiros estão prontos para atender à UE, e que venha a abertura de novos mercados: é assim que temos que agir em tempos de globalização."


'Cautelosamente otimista' 

O acordo Mercosul-União Europeia pode injetar R$ 37 bilhões no PIB brasileiro, aumentar as exportações e reduzir os preços ao consumidor. Mas, para aproveitar o potencial desse impacto, é preciso modernizar a infraestrutura logística, fazer ajustes tributários e investir em tecnologia. A estimativa e a análise da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostram que ainda há diversos pontos a serem considerados, que vão muito além da assinatura firmada entre os dois blocos. 

Ruy Magalhães Neto, vice-presidente do CECIEx, tem opinião semelhante: a infraestrutura logística é a espinha dorsal que conecta o Brasil ao mercado global, e investimentos estratégicos em portos, aeroportos e rodovias não apenas facilitam a circulação de bens e insumos, mas também garantem que o país se mantenha competitivo frente a outras economias.

Ele lembra que a eficiência logística está diretamente relacionada à redução de custos de exportação e aumento da participação no comércio global. Já a questão tributária do comércio exterior gera grande impacto, tanto no Brasil como no mercado internacional. "A carga elevada e complexa aumenta os custos das empresas brasileiras, por isso o acordo não é só uma oportunidade para o presente, mas a chance de reestruturar as bases do comércio exterior brasileiro", diz Magalhães Neto.

Por isso, sinaliza, empresas que se posicionarem agora obterão vantagens competitivas, especialmente em setores como agronegócio sustentável, exportação de produtos alinhados a padrões ambientais, indústrias tecnológicas, acesso a insumos e mercados de alta tecnologia, logística inteligente e adaptação às demandas globais por eficiência e rastreabilidade.

Do ponto de vista do CECIEx, ajustes na infraestrutura, no ambiente regulatório e tributário, bem como em inovações tecnológicas serão fundamentais para a materialização dos ganhos. Sem a modernização desses pilares, o potencial do acordo pode ser subaproveitado, mantendo o país em um patamar aquém do desejado em termos de integração global, destaca Magalhães Neto.

"A transformação digital em comércio exterior, com adoção de soluções de blockchain, IA para análise de riscos e sistemas de compliance avançados também são essenciais para garantir a competitividade de longo prazo", afirma.

Além disso, o acordo ainda é embrionário e depende de cenários pouco previsíveis. Em 2019, início do governo Bolsonaro, os blocos chegaram a anunciar a parceria, mas depois houve um congelamento das etapas finais de aprovação em meio à piora das relações do Brasil com potências europeias. "Desta vez, será necessário algum tempo para negociações, alinhamentos e amadurecimento do processo", acredita Magalhães Neto. 

Portanto, mesmo representando uma oportunidade histórica, o acordo reflete um equilíbrio de interesses complexos, envolvendo setores sensíveis, padrões regulatórios, compromissos ambientais e políticas industriais.

Embora o CECIEx reconheça as vantagens potenciais, também compreende que a efetiva implementação do acordo depende da harmonização de normas técnicas, da superação de barreiras não-tarifárias, da definição clara de regras de origem e da consolidação de mecanismos de resolução de disputas. 

"Ou seja, nossa posição tende a ser 'cautelosamente otimista': positiva quanto à abertura de mercados, mas consciente de que o tempo e a maturação política e econômica serão determinantes para se avaliar o resultado final do tratado."


Risco França

"Inaceitável" e "defesa da soberania agrícola" foram algumas das posições contundentes de sete países do bloco europeu, com destaque para a França, que pode gerar impactos negativos ou até barrar o acordo. 

Ainda faltam etapas importantes para que o tratado seja de fato concluído e entre em vigor, lembra Magalhães Neto, do CECIEx. Agricultores franceses e outros trabalhadores de países como Polônia, Irlanda, Áustria, Luxemburgo, Bélgica e Holanda se manifestaram contrários ao acordo.

"Eles alegam que haveria concorrência desleal, já que a produção de alimentos no bloco sul-americano não está submetida aos mesmos requisitos ambientais e sociais, nem às mesmas normas sanitárias europeias", explica.

Do lado sul-americano, o acordo também divide opiniões. Apesar do potencial de trazer benefícios para os países do Mercosul, a leitura de especialistas é a de que o bloco também pode sofrer com a concorrência vinda da Europa, nos setores industriais, químicos e automobilísticos, de acordo com a avaliação do CECIEx.

Porém, a oposição de alguns países europeus, especialmente os com setor agrícola forte, não significa necessariamente o fracasso do acordo: só adiciona complexidade ao processo de ratificação, que exige o aval dos parlamentos nacionais e do Parlamento Europeu. Caso a negociação não atenda às preocupações ambientais, sanitárias e trabalhistas ao longo do processo político, a ratificação pode atrasar ou até ser inviabilizada, explica Magalhães Neto.

Por outro lado, pressões internas na UE e no Mercosul podem levar a adendos, protocolos adicionais ou compromissos reforçados em sustentabilidade, compliance e segurança alimentar para tornar o acordo palatável politicamente.

"Esse contexto ressalta que, mesmo após o anúncio, o caminho até a efetiva implementação ainda será longo e marcado por negociações complexas, ajustes de última hora e, possivelmente, compromissos suplementares que busquem neutralizar objeções internas e internacionais", sinaliza. 

Para que o acordo Mercosul-UE seja aprovado é preciso aval da maioria qualificada dos componentes: pelo menos 55% dos países precisam concordar, sendo que estes devem responder por pelo menos 65% da população total do bloco. Mas para barrar, são necessários apenas quatro países contrários, respondendo por 35% ou mais da população do grupo.

Só assuntos sensíveis, como regras de segurança e política externa, exigem a unanimidade de votos para serem aprovados. De acordo com o governo brasileiro, os próximos passos para uma possível aprovação são a revisão legal do texto, tradução do texto para a língua inglesa, para as 23 línguas oficiais da UE e para as duas línguas oficiais do Mercosul. 

Depois, é preciso a assinatura dos líderes dos dois blocos e o posterior encaminhamento do acordo para aprovação interna dos membros dos dois grupos. Essa deve ser a etapa mais difícil do trâmite, já que o texto precisa passar pela aprovação do Conselho da União Europeia. Só com a aprovação e ratificação das partes, o acordo entra em vigor. (Na imagem: A presidente do governo da UE (União Europeia), Ursula von der Leyen, participou do anúncio em Montevidéu, ao lado de Lula. Por Diário do Comércio - Crédito imagem - Ricardo Stuckert/PR)


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