Fábio Dias
19/09/2023
Garça 

Lei Paulo Gustavo: artistas pedem revogação de editais em SP por prazos restritos, burocracia 'excessiva' e concentração de recursos


Representantes do setor afirmam que, da forma como está, a proposta restringe a “participação de produtores de cultura locais e regionais” e “direcionam” participação de produtoras maiores.

Artistas e produtores culturais do interior e do litoral pedem, em manifesto, a revogação dos editais da Lei Paulo Gustavo (LGP) no estado de São Paulo e alegam que as propostas apresentam “arbitrariedades” como prazos restritos e inviáveis para inscrição, burocracias e exigências que excluem produtores locais e concentração de recursos.

Artistas de Piracicaba e região apontam dificuldades encontradas, às quais chamam de “arbitrariedades do edital”, para atenderem às exigências previstas na Lei Paulo Gustavo.

No texto de uma petição pública pela anulação do edital em São Paulo, representantes do setor afirmam que, da forma como está, a proposta restringe a “participação de produtores de cultura locais e regionais” e “direcionam” a participação de produtoras maiores e especializadas.

O manifesto pede a revogação dos editais da Lei Paulo Gustavo no Estado de São Paulo sob alegação a medida teria sido criada para atender, emergencialmente, o setor durante a pandemia de Covid-19.

"No Estado de São Paulo, no entanto - e em desrespeito à LPG - não é esse o entendimento da Secretaria da Cultura, Economia e Indústrias Criativas e do Governo do Estado de São Paulo", diz trecho do manifesto.

A artista da dança, ativista e produtora cultural, Fernanda Ferreira, integra o Conselho Popular de Cultura de Piracicaba. Para a representante do setor, o edital da Lei Paulo Gustavo no estado de São Paulo se mostra mais excludente.

Embora ainda não seja possível mensurar o número de inscritos, uma vez que os processos ainda estão em fase de seleção, ela pontua é possível ter uma perspectiva, a exemplo de outros editais de fomento já existentes.

“Entre milhares de inscrições do ProAC, por exemplo, só quatro por cento de todos os projetos são contemplados. Muitos produtores ficam de fora. A lei Paulo Gustavo é muito mais rígida ainda. A pergunta que fazemos: ‘será que a criação de editais nesse perfil, que favoreçam as grandes produtoras em detrimento do produtor individual ou que representa um coletivo, é uma tendência?’, questiona.

Outro aspecto mencionado pela produtora cultural é a exigência de que o proponente tem, ao menos, cinco anos de empresa aberta, com CNPJ, para poder se inscrever com projetos.

"Tenho empresa aberta com CNPJ há quatro anos, então, já fico de fora", pontua.

O artista, produtor e militante cultural, José Renato Fonseca, com longa atuação no setor, afirma que as regras do edital da Lei Paulo Gustavo no estado de São Paulo ferem, nas palavras dele, “três pilares fundamentais do pensamento da política cultural atual, que são a descentralização, a desburocratização e a desconcentração de renda”, segundo o ativista.

“O pilar da descentralização é ferido quando nos editais de audiovisual não respeita uma práxis de 10 anos no estado, pelo menos, de que 50% dos projetos aprovados são de proponentes de fora da capital”, afirma.

José Renato também cita outras iniciativas de fomento, como o ProAC, também do governo paulista e, em vigência desde 2006, que mantém essa porcentagem.

“Nos editais da Paulo Gustavo, no setor audiovisual, simplesmente cortaram essa lógica e colocaram que 50% das filmagens precisam ser fora da capital, mas todos os proponentes podem ser da capital. Como se o interior não tivesse o direito de executar suas próprias ideias e não tivesse competência para fazê-lo. Não querem deixar que metade da verba vá para fora da capital?”, critica.

Outo aspecto comum aos outros modelos de editais vigentes é desburocratização. O produtor aponta que os editais da Lei Paulo Gustavo solicitam documentos na inscrição que, segundo ele, é comum pedir aos contemplados, quando já selecionados.

Em relação a concentração de recursos, o texto do manifesto pela revogação do edital no estado aponta que, mesmo com aumento do montante em dinheiro destinado ao edital, na comparação com o momento crítico da pandemia, o número de projetos selecionados diminuiu.

"Os editais da LPG em São Paulo, por sua vez, contemplam um número previsto de 900 projetos no estado como um todo, o que representa uma redução de 677,7% no número de contemplados. As contas pioram ainda mais quando notamos que, enquanto o número de projetos contemplados diminui vertiginosamente, o recurso aumentou: passou de R$ 264 milhões para mais de R$ 350 milhões, o que representa um aumento de quase R$ 100 milhões - equivalente a todo o valor dos editais anuais do ProAC", compara o setor em outro parágrafo do manifesto.


Bandeirantismo cultural

José Renato Fonseca pontua que os prazos para inscrição no edital da Lei Paulo Gustavo em São Paulo, inicialmente de 15 dias e, depois, prorrogada para 20, são incompatíveis com as exigências de documentos, cadastros, cartas de anuência, e destoante com as demais iniciativas.

"Quando se junta excesso de burocracia, desrespeito à regionalização e fazer editais com valores muito altos para serem poucos processos, se prejudica por completo os produtores que estão mais nas pontas. Especialmente, aqueles que trabalham numa logica de valores menores, que às vezes não conseguem efetivar projetos imensos porque não têm estrutura, mas têm absoluta competência para realização", argumenta.

O artista compara a prática com o que chamou de bandeirantismo cultural. Os artistas do interior de São Paulo e do litoral, que conversaram com o g1, disseram que participaram de encontros com a Secretaria e expuseram suas demandas, mas que as solicitações não foram consideradas na lei.

"O governo parte, não se sabe de qual diagnóstico, pensando que o interior não tem capacidade, histórias nem gente para fazer a execução e bota a grande maioria do dinheiro em produtores da capital para irem ao interior e ensinar as pessoas como fazer. É uma espécie de colonialismo", analisou. "Não se respeita a identidade que o interior tem quando não se permite que seus artistas contem suas próprias histórias", finalizou.


Secretaria

A Secretaria da Cultura, Economia e Indústrias Criativas e do Governo do Estado de São Paulo afirmou ao g1 que desconhece o teor do manifesto e que, por isso, nesse momento, não vai se pronunciar sobre o assunto.


Ministério da Cultura

Em nota enviada ao g1, o Ministério da Cultura afirma que trabalha na prevenção de ações arbitrárias ou que desrespeitem a Lei Paulo Gustavo através de orientação e capacitação para todos os estados e municípios na execução da Lei.

“A atuação nesse sentido conta com atendimento online três vezes na semana desde o lançamento do Decreto de Regulamentação da Lei, em maio; e-mail específico para dúvidas sobre a LPG; WhatsApp institucional; Seminário de Execução em que abordamos temas como adequação orçamentária, elaboração de editais e prestação de contas com as áreas especializadas do Ministério; o Circula MinC online; materiais de orientação; minutas de Editais e outros”, informou no documento.

O Ministério acrescentou que a Ouvidoria do Ministério está atenta às questões mencionadas e é o local mais adequado para o recebimento de denúncias.

“Através desse canal os/as ouvidores/as avaliam a denúncia em busca de soluções de encaminhamento. Nesse sentido, orientamos toda a sociedade civil a apresentar as denúncias com provas diretamente à Ouvidoria do MinC ou pelo FalaBr e seguimos trabalhando em estratégias para evitar ou resolver, quando nos couber, problemas como esse”, finalizou. (Por G1 - Foto: TV Globo)


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