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18/08/2014
Garça 

Meu pai. Meu herói (2)

(À MEMÓRIA DE MEU PAI PASQUALE SANTORO, PELO CENTENÁRIO DE SEU NASCIMENTO)

(À MEMÓRIA DE MEU PAI PASQUALE SANTORO, PELO CENTENÁRIO DE SEU NASCIMENTO)

            E com cerca de 36 anos, meu bom Pai, chegaste à São Paulo de 1950, à São Paulo da garoa, à São Paulo do maravilhoso Parque Dom Pedro II, onde tiramos talvez a primeira fotografia da família Santoro na Capital paulista: Pai e mãe com os três filhos, bem vestidos, prontos para a vida, na frente daqueles chorões abundantes do Parque.

            São Paulo da Vila Mariana onde moramos por três meses, tu, Pai, ainda com teu pequeno negócio de verduras, que te obrigava a levantar de madrugada. Depois o Jabaquara com a inesquecível Rua Raiz da Serra, abaixo do aeroporto de Congonhas, de onde víamos, crianças inocentes, os aviões a subir e descer. Estudávamos em S. Judas.

            Começou então para ti uma nova experiência profissional. Encerravas a experiência do negócio próprio, que não deu certo, e começavas a grande aventura de ser empregado: na Plavinil primeiro, e por fim nas Indústrias Matarazzo da Capital até a aposentadoria. A obediência à hierarquia, aprendida no Exército, te ajudou no trabalho.

            É verdade que como comerciante em Fuscaldo e Entre Folhas te tínhamos mais presente em casa; já como empregado, com as costumeiras horas extras e seu rico dinheirinho a mais, nos víamos bem menos de segunda a sábado, sobressaindo a figura de nossa mãe Maria Teresa a cuidar de nós.

Aos domingos, porém, visitavam-nos novos fuscaldeses ou os íamos visitar, ou levávamos doces a velhas tias tuas por ocasião das grandes festas no Bexiga. Irmãos teus foram sendo chamados como imigrantes, morando algum tempo em tua casa, começando logo a trabalhar e a ajudar, ou juntando-se depois entre si ou com outros.

E tu, Pasquale, trabalhavas, trabalhavas sempre, saindo cedo e voltando tarde. Desse jeito compraste aquele bonito rádio marca Vitória onde ouvíamos as árias de óperas e “As aventuras de Bob Norton” com o amigo Francisquinho, meu vizinho. Desse jeito compravas o alimento que nunca nos faltou e pagavas o aluguel de casa.

Com o dinheiro suado de teu salário te aventuraste também, junto com irmãos teus e amigos, na ilusão de construir a casa própria em loteamento longínquo de Santo André, na esperança cada vez mais longínqua de talvez mudar-te para a tua casa enfim. Chegamos a visitar em excursão de domingo, de ônibus e de trem, aquelas construções.

Em 05 de fevereiro de 1953, com treze anos, terminado o primário e obrigado a me decidir, optei por estudar no seminário de Aparecida, para onde me levou a bondade de nosso Pároco, aquele sorridente Pe. Meirelles, em cuja paróquia frequentei a catequese e fui coroinha. Minha decisão foi um alívio para ti e sorte grande para mim.

Para ti a saudade pela distância do filho era compensada pela certeza da boa educação que recebia. Nas férias de dezembro de 1954 minha mãe me buscou em Aparecida e na volta me levou à Rua da Consolação para onde nossa família já se havia mudado. Pouca noção tinha eu no seminário dos apertos econômicos por que passaste.

Os gastos com a casa de Santo André além do aluguel de nossa casa exigiram de ti um grande ato de humildade para pedir ao teu amigo Carmelo Cosentino que te cedesse, com a anuência de seu nobre tio Mário, patrício de Fuscaldo como nós, parte do sobrado em que ele morava para também tu morares.

Era um antigo sobradão de dois andares, condenado à demolição para a edificação do Edifício Itália, cedido gentilmente por aquele homem providencial que, de vez em quando, visitava aquela gente sofrida e cheia de garra para o trabalho, necessitada de uma oportunidade para progredir na vida. E Deus aliviou tua aflição.

Aqueles poucos anos d´ “A Caserna”, como era chamado o acolhedor sobradão da Consolação, em frente do qual rangiam ainda os bondes, mereceriam o troféu de uma obra literária que cantasse o sofrimento e a alegria, o desespero e a esperança de tantos jovens, casais, crianças e idosos necessitados. “A Caserna” era um conto lindo.

E tu participaste, meu Pai, desse conto lindo d´ ”A Caserna” com a tua família, muito mais do que eu que já estava estudando nos silêncios verdes de São Roque. Mas voltava para ela nas férias, como mostra aquela foto de um almoço de Natal de que participaram tantos imigrantes de Fuscaldo, todos irmanados em “A Caserna”.

Da Consolação passamos para a Rua Maria Domitila no Brás, onde moramos com a família de teu irmão Francisco, depois com a família de minha irmã Filipina, depois sozinhos, e para onde vim finalmente morar ao deixar em 1964 a torre de marfim do Colégio Pio Brasileiro de Roma. Dei-te alegria ao ir, e frustração ao deixar o seminário.

Cada filho te deu por certo, Pai, frustração e alegria. A vida não é como a sonhamos, mas como vai se concretizando no tempo. Afinal, nós construímos o nosso destino. Em 1964, para comemorar as Bodas de Prata de casados, compraste móveis novos de marfim, lembro-me bem. E acompanhaste meu ingresso na Faculdade.

No Brás foste vendo teus filhos se casarem, e virem os primeiros netos. Até que, peregrinos sempre, nos mudamos todos enfim para o bairro do Ipiranga, cada filho em sua casa própria, e tu na tua casa, até viver enfim na simplicidade da casa do fundo, filosofando com nossa mãe, nos ensinando sempre com os preciosos, sábios provérbios.

Usufruías enfim de teu pequeno patrimônio, feito sempre com parcimônia, emprestando como empregado até para novos empreendedores patrícios, com juros módicos, bons para ambos os lados. Tu foste ao longo da vida meu silencioso mestre na prática das virtudes: eu aprendi daquilo que vivias.

Nunca tive contigo, meu Pai, intimidade nas conversas. Não eras nosso amigo no diálogo, mas a tua atitude era nossa guia. E pouco a pouco, com nossa mãe, foste cedendo o espaço para teus filhos. Enquanto nós aparecíamos, tu e ela desaparecíeis de cena na casa do fundo a cuidar de plantas, sempre, porém, presentes e prontos a ouvir.

Como tentamos fazer hoje com nossos filhos, sob tua inspiração, neste centenário de teu nascimento. É difícil ser pai nos dias de hoje, meu bom Pai! Como certamente era também no teu tempo. Já ultrapassei os dias de tua peregrinação nesta terra. E comemoro o teu centenário a fim de me animar a ser Pai como tu foste.

Como não somos imortais, de repente, às vésperas do Natal de 1974, contando tu apenas 70 anos, partiste para Deus. E já se passaram 30 anos sem tua presença. Mas teus filhos, quando se reúnem, se lembram de ti e de nossa mãe, e repetem hoje os mesmos provérbios no próprio dialeto, para viverem unidos na sabedoria dos pais.

Tu foste para nós, Pai, apoiado no rochedo de nossa mãe, o alto farol a iluminar ainda hoje, nos trevas das tormentas, e nos embates da vida, o caminho de teus filhos e suas famílias em busca do porto seguro. Por ocasião do centenário de teu nascimento nós damos graças e bendizemos a Deus por tua existência de que veio nossa existência.


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